terça-feira, 26 de março de 2013

A GRUTA DO AMOR


                                                                                                                                            *Jô Drumond
                                                                                     O tranquilo e aconchegante lago Le Bourget

Vitória - Rio / Rio - Paris / Paris - Grenoble / Grenoble - Chamberry / Chamberry - Aix-les-Bains / Aix-les-Bains - Le Bourget-du-Lac.  Esse foi o roteiro que percorri para chegar ao cenário que inspirou um dos mais belos poemas do romantismo francês, “Le lac” [O lago], e os mais belos poemas do livro de Lamartine intitulado Méditations (1820), considerado a primeira compilação lírica do romantismo francês. O sucesso imediato e extraordinário de tais poemas celebrizou seu autor da noite para o dia. Le Bourget-du-Lac é um lugarejo tranquilo, com casas de veraneio plantadas às margens do lago Bourget. Hospedei-me num belo sobrado, de propriedade de uma amiga francesa, Christine Blanchard, com vistas para o lago, tendo como pano de fundo o lume das águas e o paredão dos Alpes. Entre as águas e a cadeia de montanhas encaixa-se o balneário Aix-les-bains. Éramos seis. Apenas eu fazia questão de visitar um local desprezado pelos companheiros de viagem: a gruta, na qual o poeta Lamartine e sua musa se refugiaram durante uma borrasca, num idílico passeio de barco. Suponho que meus companheiros de viagem não se interessassem pela gruta pelo fato de desconhecerem a história de amor lamartineana, tramada pelo acaso e rompida pelo destino.
No outono de 1816, o poeta foi a Aix-les-Bains na tentativa de se curar de uma depressão nervosa e conheceu uma bela jovem que se encontrava no mesmo local à procura de ares salutares, na tentativa de domar uma tísica que lhe consumia aos poucos. Habitualmente, Julie Charles passava temporadas de cura na região, enquanto seu marido, um renomado físico, trabalhava em Paris.
Julie e Lamartine se conheceram e se entrelaçaram num amor platônico, denso e profundo, tendo como cenário o espelho translúcido do lago, os alvos flocos de nuvens nele refletidos e as fímbrias sombrias da mata no debrum crepuscular. Como mola propulsora desse idílio, o enigma que pairava sobre Julie e para o qual se sentia impelida: o mistério do outro mundo.
No inverno do ano seguinte, os enamorados se reencontraram em Paris e se comprometeram à retomar os paradisíacos ares de Le Bourget na alta estação. Todavia quis o destino que Lamartine passasse a temporada solitariamente, suspirando pela amada. O agravamento do estado de saúde reteve Julie em Paris no último outono de sua vida. A notícia da perda inexorável do ser amado provocou ao mesmo tempo em Lamartine uma profunda dor e um desejo ardente de mudar o imutável, de ponderar o imponderável e de alcançar o infinito. O lamento pungente de um reencontro impossível, a reflexão plangente sobre a fugacidade da vida e o apelo veemente para o que tempo suspendesse seu voo desencadearam no poeta uma verve lírica de rara beleza, que vem encantando muitas gerações desde o início do século XIX.
Voltando ao nosso veraneio do século XXI em Le Bourget-du-Lac, ninguém se animava a me acompanhar na caminhada, não muito longa, até o refúgio que serviu de abrigo aos dois enamorados, em noite de tempestade. Eu ansiava observar o lago sob o mesmo prisma dos enamorados, respirar os mesmos ares, sentir o cheiro da gruta, pisar as pedras por eles pisadas enfim, encurtar a distância temporal que nos separava.
Depois de muita insistência, convenci meu marido e meu irmão a me acompanharem. Não havia indicação alguma no caminho. Chegamos ao fim da linha, numa vertente junto ao lago, onde alguns pescadores nos indicaram a direção. Teríamos que subir novamente a íngreme ladeira até a primeira curva, onde deveria haver uma trilha, tomada pelo matagal. Não foi difícil encontrar a entrada. Embrenhamo-nos mato adentro por uma trilha praticamente inexistente, cheia de obstáculos, com riscos de escorregões e quedas em ribanceiras. Por momentos, pensei em desistir. A falta de acesso indiciava o total abandono da gruta. A duras penas, conseguimos nos aproximar. Não havia sinal de que algum vivente a tivesse visitado nos últimos tempos. Saí de lá desolada pelo desleixo daquele local, que poderia ser um belo ponto turístico, com matizes literários.
*Jô Drumond é  membro da: 
AEL (Academia Espírito-santense de Letras).
AFESL (Academia Feminina Espírito-santense de Letras)

AFEMIL (Academia Feminina Mineira de Letras)

IHGES (Instituto Histórico e Geográfico do ES).