quarta-feira, 10 de abril de 2013

“QUEM ALEGRA INTEGRA”


Jô Drumond
Ao visitar a França, recentemente, percebi que o tom repressivo de décadas passadas nas tabuletas do transporte coletivo, além de estar mais brando, deu um passo além. As proibições “Il est interdit de...” ou “défense de...” (é proibido...) tornaram-se apenas sugestões, por meio de dizeres ou de versos jocosos, sobretudo rimados. As advertências, com pitadas de bom humor, são prontamente acatadas, sem objeções.
Sabe-se que na França não é de bom tom falar em voz alta, em público. Não se ouvem falatórios, gritarias, nem gargalhadas em bares, restaurantes nem nos meios de transporte. Nos ônibus coletivos, há um lembrete dirigido aos passageiros ruidosos (geralmente oriundos de países latinos, sobretudo do Brasil): Quand elle est à 86 décibels, une confidence n’a rien plus de confidentielTais dizeres demonstram claramente que é inoportuno tratar em voz alta, em público, de um assunto que não interessa aos demais.
Para os apressados, que esbarram ou empurram os passageiros, no afã de conseguir um assento, há dois versos endecassílabos, demonstrando que é inútil empurrar, pois todos chegarão juntos, no mesmo vagão ou no mesmo ônibus: Qui bouscoule les personnes en montant ne partira pas plus vite pour autant.
Aos que, por distração ou não, se esquecem de ceder o lugar aos idosos, há dois versinhos de apenas quatro sílabas poéticas, também rimados: qui a la classe laisse sa place. Como todos gostam de demonstrar que têm “classe”, e que são bem-educados, o lembrete funciona com grande eficácia. Trata-se da paráfrase de um provérbio muito popular “Qui va à la chasse perd sa place”, que em português corresponde a: “Quem vai ao ar perde o lugar” ou “Quem vai ao vento perde o assento”.
Aos distraídos, que eventualmente se esquecem de validar o tíquete do transporte, há o lembrete: Qui a validé le voyage, esprit léger. O “esprit léger” denota que, tendo validado sua passagem, o passageiro viaja com maior tranquilidade, sem risco de constrangimentos perante a fiscalização.
Contra frequentes roubos de telefone celular, no transporte coletivo, adverte-se aos passageiros que, falar acintosamente ao celular pode despertar cobiça nos larápios e induzi-los ao roubo: Votre téléphone est précieuxIl peut faire des envieux.
Como se vê, o poder público parisiense lançou mão não apenas do bom humor, de caráter educativo, mas também da rima (que facilita a memorização) como eficaz estratagema para educar a massa. Fica aqui registrada essa observação a título de sugestão à nossa administração pública. Como dizia Propp, “quem alegra integra”.

*Jô Drumond é membro da: 
AEL (Academia Espírito-santense de Letras)
AFESL (Academia Feminina Espírito-santense de Letras)
AFEMIL (Academia Feminina Mineira de Letras)
IHGES (Instituto Histórico e Geográfico do ES)