terça-feira, 17 de setembro de 2013

MARIA JOÃO

“Ser feliz sem motivo é a mais autêntica forma de felicidade.”
Carlos Drummond de Andrade

Jô Drumond
Nas terras da fazenda Morro Feio, juntamente com Anatildes, percorri de carro alguns quilômetros, num milharal a sumir de vista, à procura de espigas granadas para o almoço. Plantios feitos em diferentes épocas vicejavam na irregular magnitude da lavoura. Em cada eito, o milharal tinha diferente porte. Procurávamos espigas com cabelos escuros e ressecados. As louras e ruivas, de cabelos brilhantes e sedosos, ainda eram muito tenras para o consumo. Num determinado ponto, quebrava-se a homogeneidade do cultivo, por uma sucessão de estacas, como se vê nos tomatais. Aproximamo-nos para verificar do que se tratava. Era um extenso pepinal, cujas ramas verdolengas, estacadas, exibiam belas flores amarelas e pepinos de dimensões variadas.
Avistamos um camponês, encarregado do eito. Paramos o carro e nos aproximamos, para perguntar onde encontraríamos espigas de milho ao ponto. O ancião, de cerca de 70 ou 80 anos, com a pele toda enrugada e tostada pelo sol, usava roupas largas e sujas de terra, botina marrom e chapéu de abas. Veio todo solícito, pronto para um dedo de prosa, como bom mineiro. Um sorriso contido estampava-se em seu rosto, na tentativa de demonstrar contentamento sem revelar as falhas dentárias.  Era um senhor magro e de baixa estatura, com voz esganiçada. Ao ouvi-lo, pensei que se tratasse de uma mulher, mas reparei que, sob a camiseta, não se viam proeminências de seios femininos. Fiquei em dúvida se o chamava de senhor ou senhora. Na dúvida, preferi evitar qualquer constrangimento, mas Anatildes foi logo perguntando:
─ Como o senhor se chama?
─ Maria, mas aqui na lavoura sou João.
Era patente que a aparência franzina não condizia com o necessário vigor para o pesado trabalho de capina. Aquela mulher aparentava ser minha avó, mas era mais jovem que eu. Percebendo minha surpresa, ao saber sua idade, alegou:
─ Tá me achando véia, né? É por causa do cigarro e das pingaiadas.
  Demorei alguns segundos para entender que “pingaiada” se referia a excesso de pinga. Tive pena daquele fiapo de gente, pela condição sub-humana de vida: trabalho árduo, má remuneração, alcoolismo, subnutrição e, certamente, más acomodações. No entanto, uma coisa me intrigou. Dona Maria (ou Seu João) parecia-me alegre, feliz e de bem com a vida.

Lembrei-me de outra Maria, minha ex-colega de faculdade. Oriunda de uma família de alto poder aquisitivo, podia se dar o luxo de ter tudo que quisesse, mas encontrava-se sempre depressiva. Nos finais de semana, às vezes dirigia-se a praias mais populares ou vagava por bairros periféricos, para tentar descobrir como e por que os pobres eram felizes. Parava em botecos sujos e mal frequentados, escolhia uma mesa próxima a um grupo que ria a não mais poder, por qualquer motivo fútil. Observava-os longamente, na esperança de aprender a ser feliz, sem atentar para o fato de que a felicidade depende mais do que se tem na cabeça do que no bolso. Não sei se minha ex-colega conseguiu encontrar a alegria de viver. Quem sabe, algum dia, eu possa apresentar Maria alegre à Maria triste? Talvez, com alguns dedos de prosa, “esta” consiga descobrir “naquela” a magia do bem-viver.
*Jô Drumond (Josina Nunes Drumond)
Membro de 3 Academias de Letras
 (AFEMIL, AEL, AFESL) e do 
Instituto Histórico (IHGES)