terça-feira, 14 de junho de 2016

APREENSÃO

Jô Drumond


Há momentos de grande apreensão, misto de inquietação, receio e temor, que, às vezes, beira as raias do pânico. Foi a sensação que experimentei num voo entre Belo Horizonte e Vitória, no dia 25 de dezembro de 2015, após uma magnífica festa de Natal com a grande família reunida.

Decolamos de Confins às 22h10. O voo transcorreu normalmente até nos aproximarmos do litoral capixaba. Uma forte tempestade impedia o pouso. Aeroporto fechado. O piloto resolveu ficar sobrevoando a cidade à espera do término do temporal. Raios, raios e mais raios rabiscavam o céu, iluminando tudo à nossa volta. A aeronave se sacudia fortemente, como se fosse se desintegrar a qualquer instante. Eu nunca havia presenciado tamanha turbulência. O medo de raios, associado ao medo de voar, deixou meus nervos em frangalhos. Tentava aparentar calma para não apavorar minha filha nem meu genro, ao meu lado, com minhas netinhas gêmeas. Meu marido parecia, ou tentava parecer, tranquilo. Três fileiras atrás de nós, outra filha, outro genro e mais dois netinhos. Meu Deus! — pensei com meus botões. — Acaba aqui minha imortalidade genética. Todos os meus descendentes podem se desintegrar juntamente comigo, a qualquer momento.

Quanto maior o clarão da descarga elétrica, maior a turbulência. Eu trincava os dentes, cerrava os punhos e fechava os olhos para fugir do medo. Fazia pensamento positivo com toda força de meu ser, para que saíssemos sãos e salvos da tormenta. O martírio dos sobressaltos e do desassossego durou cerca de uma hora, em torno da ilha do mel. O piloto nos avisou que tentaria mais uma aproximação do aeroporto. Caso não fosse possível, se dirigiria a outra pista de pouso. 

Que outra pista? — me perguntei.  Não há segunda opção, por aqui!

Após alguns minutos, o pouso foi autorizado. Respirei aliviada e prometi a mim mesma jamais viajar de avião, sabendo, de antemão, que tal promessa não seria cumprida.

O avião se aproximou da cidade, voando baixo. Sem quê nem por quê, arremessou-se até atingir altitude de cruzeiro. Ficamos sabendo então que estávamos voltando para Belo Horizonte. Um senhor, em pânico, contido a tempo pelos passageiros, havia se levantado dizendo que daria “umas porradas” no piloto. Uma grávida vomitou, enojando seus vizinhos de assento. Diversos bebês choravam ao mesmo tempo. Um garoto de cerca de nove anos se aproximou de nós, dizendo a seu pai que estava faminto. Dei-lhe um pacote de biscoitos que carregava na bolsa. Finalmente aterrissamos em Confins, madrugada adentro. Não nos foi permitido sair da aeronave. Trezentos passageiros fizeram fila para os três minúsculos banheiros, enquanto a aeronave era reabastecida. Ainda havia filas nos banheiros malcheirosos, e transbordantes de papel usado, quando foi anunciada nova decolagem. Já estávamos todos famintos. Uma comissária de bordo se escusou dizendo que, como o setor de reabastecimento de bebidas e de comestíveis ficava desativado durante a madrugada, não foi possível fazer tal reabastecimento. Minhas netinhas de colo choravam e esperneavam, com toda razão, não sei se de desconforto, de sono ou de fome. Minha gastrite reclamava, também com razão. Nada no estômago, desde o almoço, para acalmá-la. Necas de providenciais biscoitinhos de bolsa, doados ao menino desconhecido. Teríamos que controlar a sede a e fome até a chegada. O melhor remédio seria dormir para tapear o tempo. 

Já eram cerca de duas horas da manhã. Nova decolagem. Acabei adormecendo no voo de volta. Na reaproximação do litoral, novas turbulências me despertaram. Decididamente, o céu estava raivoso nessa noite, mas, felizmente, “entre mortos e feridos”, todos se salvaram: ninguém se machucou.

Ouvi dizer que numa situação de pânico, durante um voo em que viajava o humorista Millor Fernandes, ele se mostrava muito ansioso. Uma aeromoça lhe perguntou se estava com falta de ar.

̶   Não, senhorita! Estou com falta de terra!

Ao pisar em terra firme, com a família salva, respirei aliviada. Em época de tempestades — pensei com meus botões — é melhor deixar o céu para os pássaros e o mar para os peixes. Bom mesmo é ter os pés no chão, deixando apenas a cabeça nas nuvens, de quando em vez.

*Jô Drumond (Josina Nunes Drumond)
Membro de 3 Academias de Letras (AFEMIL, AEL, AFESL)e do Instituto Histórico (IHGE