terça-feira, 23 de agosto de 2016

O IMPÉRIO DA ONIPOTÊNCIA MASCULINA

*Jô Drumond

Em meados do século XIX, no Brasil, acreditava-se que mãe de família não precisava saber muito. Bastava ler, escrever, contar e ter prendas domésticas. Havia até mesmo um ditado popular que dizia o seguinte: “Uma mulher já é bastante instruída, quando lê correntemente suas orações e sabe escrever a receita de goiabada. Mais do que isso seria um perigo para o lar.” Esse preconceito, trazido de Portugal, era oriundo da herança deixada ao povo lusitano  pelas invasões mouriscas, na Idade Média. Exigia-se submissão total da mulher, dos filhos e dos escravos. Porém, bem antes, na França, desde o final do século XVII, já havia uma reação contra esse preconceito da inferioridade mental do sexo feminino.

A atuação da mulher brasileira na sociedade, assim como seu desempenho não eram devidamente valorizados. No entanto, ela sempre exerceu representativa influência na cultura e na economia. Abarcava laboriosamente diversos tipos de tarefas, como: tecelagem, costura, cerâmica, horticultura, cozinha, educação dos filhos (muitas vezes a alfabetização), e também atividades campesinas consideradas leves, como: colheita, seleção e limpeza do café, limpeza de pasto, colheita e manufatura do algodão, apicultura, além de certos plantios, na lavoura.

Aos poucos, esse conceito foi mudando, sobretudo nas cidades. Em 1869, fundou-se em Vitória um Instituto Feminino Secundário, com uma só professora, vinda de Minas Gerais, onde eram ministrados todos os conhecimentos considerados indispensáveis às filhas da burguesia: gramática portuguesa, aritmética, sistema métrico, música e tocar piano, e todos os trabalhos de agulha, além de francês, geografia e história Toda moça de família devia saber tocar piano, mesmo que não tivesse nenhum pendor musical. Nos saraus, revezavam-se donzelas ao piano. Intercalavam-se valsas, polcas e minuetos, para os rodopios dos jovens casais, costume herdado evidentemente da Europa, que ditava a moda referente aos tecidos, vestido, penteados e chapéus. 

Nesses saraus brotavam namoros, noivados e desposórios. Tal costume perdurou em grande parte do século XX, com as tradicionais reuniões dançantes, para jovens, em casas de família.
Houve época em que famílias mais abastadas eventualmente enclausuravam suas meninas nos conventos de Portugal, Espanha e Itália. Muitas delas jamais voltavam. Posteriormente, criaram-se educandários com internato, sob a responsabilidade de Irmãs de Caridade, sobretudo na Bahia e no Rio de Janeiro.
Literatura era coisa de homem. Mulher não devia escrever prosa, muito menos poesia. Era-lhe permitido, no máximo, decorar alguns versos a serem declamados nos colégios ou em reuniões familiares. A poesia era produzida estritamente pelo sexo masculino. Existia até mesmo um chiste jocoso, dirigido às mulheres, que dizia o seguinte:

Estude a Geografia
Leia alguma boa história
Mas não se atire à poesia
Porque mulher que se faz poeta
Põe o marido pateta

Na década de 70, no século XIX, a Rússia abriu as portas da Faculdade de Medicina às mulheres. A Itália, apesar dos protestos masculinos, passou a conferir toga, nos tribunais, a mulheres da Corporação de Advogados. Enquanto isso, no Brasil persistia a proibição do acesso de mulheres aos cursos superiores. Nesse mesmo período a primeira brasileira a estudar medicina, foi para os Estados Unidos em 1875, onde se formou, em 1881.

O século XX, chamado de “século da mulher”, assistiu ao desabrochar do dito “sexo frágil” nos vários segmentos sociais e nos diversos ramos do conhecimento. A mulher conquistou setores predominantemente masculinos tais como o da aviação e o das profissões liberais. Foi na terceira década desse século que conseguiu um grande salto, ao obter cidadania, com a aprovação do voto feminino pelo Código Eleitoral, em 1932, durante o governo Getúlio Vargas. A caminhada rumo à dignidade da condição feminina é lenta, sobretudo no Oriente, mas progressiva. Ainda há muito que fazer para a completa emancipação feminina.

Jô Drumond
Viveiro do Silêncio
15/08/2016

*Jô Drumond (Josina Nunes Drumond) Membro de 3 Academias 
de Letras (AFEMIL, AEL, AFESL) e do Instituto Histórico (IHGE